Se no Inverno a cor que domina as encostas do Zillertal é o branco, durante a quase totalidade o que resta do ano é o verde que nos enche a vista. A mão humana tem a sua influência nesta paisagem, mas não é numa monótona e falsa floresta do eucalipto como noutras paragens mais a Sul, que tu e eu conhecemos bem. Aqui parece haver uma verdadeira harmonia entre a terra e o que os homens fazem dela, de verão e de Inverno. Florestas a sério, selvagens, bonitas que dói, criando uma mancha que se não é intocada, é tão bem gerida que assim parece. É o tal do sustentável, dizem.
Da mesma forma, o uso das vertentes no Inverno e no Verão não podia contrastar mais. Entre os riders, snowboarders, skiers, e tantos outros estrangeirismos que definem aqueles que, como eu, se dedicam a deixar a gravidade puxá-los encostas abaixo sobre a neve e com os pés agarrados a uma ou duas tábuas, e os homens da montanha que 8 meses por ano percorrem a pé e na companhia das vacas, cabras e ovelhas os trilhos que levam os pastos alpinos, a diferença é óbvia. Dou por mim a considerar que se os utilizadores das encostas para lazer e diversão (ou qualquer propósito mais esotérico, vá, mas no fim é sempre aquela coisa hedonista) são como os surfistas nas nossas praias, os pastores e agricultores dos Alpes serão como os pescadores da nossa costa. Neste caso e tal como imagino que seja nos Alpes, a relação nem sempre é pacífica, mas convivemos no mesmo meio e partilhamos o mesmo gosto pelo mar. Da mesma forma, as práticas de lazer no Oceano trazem o turismo e veja-se o resultado nalgumas partes do Algarve. Já nos Alpes temos os mesmos maus exemplos, mas se há uma razão para vir para o Tirol em vez de regiões aparentemente mais em conta é aquela que falava acima: aqui respeita-se a terra. E cabe ao turista ou viajante aprender com os costumes locais – se o kitsch é evidente, pois que raio, qual é o mal? A resposta será que, se calhar, quem está mal é quem se ri dos calções de cabedal e das mangas com folhos. A soberbazinha urbana aqui só resiste se fecharmos os olhos à relação íntima dos Tiroleses com o seu território.
Para exemplificar, fica este video, filmado em Mayrhofen que alberga uma estância do mais radical que há, casa do Vans Penken Park e do festival Snowbombing. É que mais radical ainda é o festival Almabtrieb.
Esta festival celebra o momento em que, tal como nas nossas serras cá do burgo, os pastores trazem o gado até ao vale no final do Verão, de modo a passarem o Inverno nas zonas menos agrestes e mais protegidas. A transumância pode assim na Áustria atingir o número impressionante de 500.000 (!) cabeças de gado a circular montanha abaixo, numa festa que comemora mais uma mudança de estação. Se achas que descer as pistas pretas com neve fofa é muito à frente, experimenta primeiro subir e depois descer a pé, com milhares de vacas, desde os confins dos alpes até ao vale. Respeito.